Dinheiro, roupas, celulares, carros de luxo e até medalha da Champions League. Jogadores de futebol dos principais clubes da Europa vêm sendo vítimas cada vez mais frequentes de furtos e roubos às suas casas, cometidos por grupos criminosos altamente qualificados. O número de casos solucionados pelas forças policiais, por outro lado, é baixo.
O ge fez um levantamento de episódios do tipo desde dezembro de 2018 e registrou mais de 50 casos. Atletas de clubes como Paris Saint-Germain, Barcelona, Real Madrid e Manchester City. Os brasileiros foram maioria: 17 casos, com 16 atletas diferentes.
Poucos conseguiram os seus pertences de volta, e a maioria adotou pequenas e grandes mudanças em seu estilo de vida, na busca por mais segurança para suas famílias e pessoas próximas.
Entre os brasileiros, o caso mais recente foi o do meio-campista Joelinton, do Newcastle. A residência dele foi alvo de três criminosos em janeiro, enquanto o jogador estava no estádio St. James Park assistindo ao jogo do time dele contra o City. Até o momento, a polícia inglesa não compartilhou qualquer avanço na investigação.
Furto é quando uma pessoa toma o pertence sem que haja violência ou grave ameaça. Quando há, se chama de roubo.
Joelinton teve a casa furtada em janeiro, enquanto assistia a um jogo do Newcastle — Foto: Getty Images
Poucas semanas antes, o atacante Grealish teve a casa roubada enquanto ele atuava contra o Everton, em Liverpool. Familiares dele e a namorada Sasha Attwood estavam lá na hora. Os ladrões levaram joias e relógios, provocando um prejuízo superior a R$ 6 milhões.
O aumento desses crimes na Inglaterra virou pauta entre os jogadores do City e o técnico Pep Guardiola. O treinador revelou que eles receberam orientações do clube sobre isso, no meio do ano passado.
Foi mais ou menos nessa época que o atacante Kaio Jorge, hoje emprestado pela Juventus ao Frosinone, ficou sabendo que a sua casa na Itália fora furtada. Ele estava de férias no Brasil. Os bandidos levaram bolsas da mãe dele, óculos, roupas de marca, joias e um carro.
— A polícia investigou, mas ficou por isso mesmo, não tive nenhum material devolvido, e não conseguiram pegar os bandidos. Depois do assalto, entreguei a casa porque não queria mais morar ali. Sendo que era tudo blindado, portas, sistemas de alarme, mas eles conseguiram uma cópia da chave da casa e entraram pela academia — contou Kaio Jorge.
Há padrões que se repetem: os criminosos agem geralmente quando o jogador não está em casa, seja em viagem a lazer, a trabalho ou até mesmo na hora do jogo na mesma cidade.
Kaio Jorge teve a casa invadida na Itália; polícia local não conseguiu encontrar nada — Foto: Getty Images
O lateral-direito Rodinei, por exemplo, curtia as férias na Grécia, mas bandidos roubaram sua casa e levaram objetos e documentos, incluindo passaporte. Nenhum suspeito foi preso. Nenhum bem foi recuperado.
O atacante Rodrygo teve a causa roubada em maio do ano passado, enquanto ele estava em ação pelo Real Madrid na final da Copa do Rei. O inquérito deste caso ainda não teve conclusão. Segundo apurou o ge, a polícia orientou familiares do jogador a evitarem publicar conteúdo em redes sociais que de alguma forma facilitassem a localização da casa.
Outros atletas vítimas também passaram a adotar uma rotina mais reservada, para eles e as famílias. Joelinton, por exemplo, instalou mais câmeras de segurança na casa e contratou segurança particular.
Luan Peres, hoje no Fenerbahçe, fez o mesmo. Ele não estava em casa com a esposa quando a residência em Marselha foi invadida. Eles se encontravam no estádio Velòdrome, do Olympique. O casal cogitou trocar de lar, por medo, mas decidiu ficar por mais tempo.
— Em relação à polícia, eles investigaram, foram lá em casa e relatamos tudo que aconteceu. Fizemos o registro da ocorrência. Passou uma semana, duas semanas, e ninguém falou mais nada, ficou por isso mesmo. Instalamos (mais) câmeras de segurança e alarmes porque eles entraram pelo único ponto que não tinha câmera, nós instalamos alarmes de segurança por todo o jardim — contou Luan Peres.
Thiago Silva passou por isso em dezembro de 2018, quando ele ainda estava no Paris Saint-Germain. Nada dele foi recuperado. Por outro lado, a polícia conseguiu prender os ladrões, que hoje cumprem pena.
O PSG passou a colocar seguranças nas casas dos atletas. O clube francês, aliás, foi aquele com o maior número de casos no levantamento do ge (veja no quadro abaixo): 10 no total. Além de Thiago Silva, Choupo-Moting e Marquinhos — duas vezes ambos —, Kurzawa, Daniel Alves, Icardi, Donnarumma e Di María.
Levantamento do ge sobre assaltos a casas de jogadores do futebol da Europa — Foto: Infografia ge
A família do craque argentino estava em casa no episódio, e mulher e filhos dele foram feitos de reféns durante o roubo. Di María soube do assalto durante o jogo do PSG contra o Nantes e foi substituído para socorrer os familiares. Ele teve prejuízo de mais de R$ 3,3 milhões.
Naquele mesmo dia de março de 2021, assaltantes invadiram a casa da família de Marquinhos. O pai dele, que estava com as duas filhas em casa, foi agredido. Dois dos ladrões foram condenados pela participação no crime, e um homem foi absolvido, em janeiro do ano passado.
A reportagem do ge entrou em contato com a Polícia e o Ministério Público de Paris. O MP informou que investigações relacionadas aos atletas do PSG “estão sob sigilo”. A Guarda Civil da Espanha também foi procurada, sobre os casos no país, mas não respondeu.
Na Inglaterra, o fenômeno tem sido monitorado pela Operação Opal, unidade de inteligência do Reino Unido. A Polícia Nacional da Inglaterra disse ao ge que não teria como atender pedido estrangeiro.
Quem comete esse roubos?
A Global Initiative (GITOC) é uma organização independente dedicada a encontrar novas estratégias contra o crime organizado transnacional. Diretora do Observatório para o sudeste da Europa da GITOC, Fatjona Mejdini não crê numa rede conectando todos esses roubos. Por outro lado, ela destaca o nível de especialização de criminosos.
— Roubos desse tipo são um tipo de especialização do crime. Há tradição, preparação contínua, investimento para ser melhor tecnicamente a cada geração. O que vemos agora na Europa é especialização no que fazem. E há o elemento da transnacionalidade do roubo: você se especializa num lugar, mas vai para outro cometer o crime — disse Mejdini.
A maior dificuldade no combate a esse tipo de crime é a facilidade de mobilidade na Europa. O Espaço Schengen é uma área formada por 27 países europeus, que aboliram a necessidade de passaportes ou vistos.
— Você pode ficar num país legalmente, planejar, cometer o crime e sair rapidamente. Isso ajuda muito a natureza transnacional desse tipo de crime. Para investigar, é fundamental coordenação, muita troca de informação entre os países, é a única forma de combate — explicou.
Benzema foi vítima de roubo à sua residência em janeiro de 2022, perto de Madri. Em menos de uma hora, bandidos levaram 200 mil euros em bens do jogador, segundo a denúncia à polícia. Descobriu-se que eles saíram de Marselha, na França, cerca de cinco dias antes do crime.
Outro exemplo: em outubro de 2018, autoridades de Justiça da Alemanha e a Europol desbarataram uma quadrilha internacional de roubos que cometeu mais de 100 crimes em quatro países diferentes. O grupo fazia parte de uma grande família holandesa da pequena cidade de Overijssel.
Polícia da Alemanha atuou contra o grupo “Panteras Rosas”, especializado em roubos — Foto: Getty Images
Até medalha da Champions já foi roubada
Outro aspecto que torna esse tipo de crime internacional é o destino dos itens roubados. Eles são comercializados longe de onde houve o roubo. Os ladrões aproveitam as lacunas das leis de cada país e procuram os melhores pontos para revender joias e carros de luxo, por exemplo.
A polícia da Inglaterra recuperou uma Ferrari e um Range Rover Sport de dois jogadores da Premier League. Os carros seriam enviados para Dubai, em agosto do ano passado. As autoridades não revelaram a identidade dos atletas, mas eles teriam mais de 100 jogos por seleção.
— Ele estava realmente agradecido e impressionado com o nosso trabalho. O carro era muito importante para ele. Apesar de ele jogar por um dos maiores rivais do meu time, foi muito gente boa e humilde — contou o oficial Phil Pentelow, na época.
Carros de luxo do Reino Unido podem valer até três vezes mais no mercado ilegal no Oriente Médio e na África.
Ferrari roubada de jogador da Premier League encontrada em agosto de 2023 — Foto: Divulgação / SVIU Essex Police
A Europol, a agência da União Europeia para a Cooperação Policial, conduziu entre 2016 e 2017 o projeto “Pantera Cor de Rosa”, com foco nos roubos cometido pelo grupo com esse nome, originário dos Balcãs.
A organização também teve em 2017 o projeto “Diamante”, voltado para redes de roubos de joias e invasão as casas. Essa iniciativa constatou que criminosos da América do Sul passaram a viajar para a Europa para cometer esse tipo de crime, e com métodos mais avançados e agressivos.
Procurada pelo ge, a Europol declarou que não há novas informações sobre o tema a serem divulgadas.
Bando roubou joias e outros pertences de jogadores do Real Madrid e do Atlético, em 2019 — Foto: Divulgação / Guardia Civil da Espanha
O último caso relevante com atuação da agência foi em outubro de 2019, quando houve a prisão de cinco pessoas na Espanha (veja no vídeo abaixo) suspeitos de roubo a casas de jogadores do Real Madrid e do Atlético de Madrid. A Europol atuou junto com a Guarda Civil espanhola.
Os suspeitos, quatro albaneses e um espanhol, monitoravam as redes sociais dos jogadores para planejar os ataques. A polícia confiscou carros de luxo, joias e milhares de euro. Até uma medalha de campeão da Champions League de um jogador do Atlético foi recuperada.
Fonte: Ge