Há quatro meses, o governo Lula vende títulos da dívida pública com vencimento aproximado em dez anos a uma taxa real (descontada a inflação) acima de 7%. Durante o segundo governo Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016, os juros ficaram nesse patamar durante seis meses em meio às crises política, econômica e institucional que desencadearam o impeachment da então presidente.
Economistas dizem que o cenário dificulta a queda do endividamento público, hoje calculado em 76% do PIB. Procurados, o Tesouro Nacional e o Ministério da Fazenda não comentaram.
A venda de títulos pelo Tesouro Nacional com vencimento em dez anos tem sido um termômetro mais sensível à política fiscal, ou seja, à saúde das contas públicas, pois aponta para a situação do endividamento público.
Quando o governo gasta mais do que arrecada, como acontece com o Brasil há mais de uma década, ele precisa aumentar a dívida para se financiar. Quanto maior a taxa desses papéis, maior o prêmio cobrado pelo mercado financeiro e o sinal de que os agentes não acreditam em melhora da situação no horizonte.
O Tesouro IPCA (NTN-B), que paga juros mais a inflação, com vencimento em 2032 foi vendido a uma taxa média real de 5,45% nos primeiros leilões do ano passado, atingiu 6% em abril e superou 7% no dia 3 de dezembro. Depois dessa data, só operou acima de 7%. No último dia 1º, o papel foi vendido a 7,84%. O mesmo movimento ocorreu com o título com vencimento em 2035, vendido a uma taxa média de 7,57% no dia 8.
No segundo governo Dilma, as taxas médias para títulos semelhantes efetivamente vendidos pelo Tesouro Nacional ficaram acima de 7% entre agosto de 2015 e fevereiro 2016, caindo apenas no mês seguinte, quando o mercado avaliou que o impeachment contra a então presidente seria aprovado no Congresso Nacional.
“Naquela época, o Brasil teve várias crises juntas e o mercado tinha uma incerteza muito grande sobre a política fiscal porque não tinha a magnitude de quanto eram as pedaladas”, afirma o ex-secretário do Tesouro e head de macroeconomia do ASA, Jeferson Bittencourt.
Por trás das taxas dos títulos públicos é possível ler o seguinte cenário, de acordo com Bittencourt: o arcabouço fiscal tem potencial de aumentar o superávit das contas públicas em 0,2% ao ano; se o governo não tivesse déficit – e hoje tem -, o Brasil ainda levaria 13 anos para atingir um resultado que estabilizasse o endividamento público.
“Hoje, essa taxa de juros não está refletindo nenhuma incerteza, mas a clareza do que o arcabouço vai entregar: do jeito que está, a dívida só cresce e o arcabouço não consegue gerar uma trajetória de solvência”, diz.
Outro fator de comparação entre um período e outro é a diferença entre os preços do Brasil e dos Estados Unidos, segundo o economista. Essa comparação é mais favorável ao Brasil atualmente.
Entre 2015 e 2016, os títulos brasileiros foram precificados com taxas sete pontos porcentuais acima dos norte-americanos. Hoje, a diferença é menor: de 5,5 pontos porcentuais em média. Por outro lado, Bittencourt estima que, desta vez, o patamar de 7% dure mais tempo, superando a crise passada.
Em meio ao tarifaço imposto pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, as tensões no mercado mundial aumentaram e afetaram o Brasil. As taxas dos títulos públicos com vencimentos no curto prazo aumentaram, o que também acabou afetando o longo prazo.
O Tesouro IPCA 2026, por exemplo, atingiu 9,51% na sexta-feira, 11, na cotação do mercado. Há uma semana, estava em 9,29%. O papel com vencimento em dez anos, mais sensível à política fiscal, foi cotado a 7,76%, ante 7,56% sete dias atrás.
Taxas altas prejudicam não só o governo, mas também o investimentos de empresas. O índice é o preço pago diretamente pelo Tesouro e serve como referência para outros investimentos no mercado. Investidores privados costumam arcar com custos ainda maiores ao tomar empréstimos.
“Até 2027, não vai ter mudança importante nenhuma. O Brasil está crescendo em torno de 2% a 3% (ao ano), mas da pior maneira possível, que é via consumo, sem aumentar o investimento e o ganho de produtividade”, afirmao o CEO da Cx3 Investimentos, Julio Ortiz.
Analistas avaliam que governo abandonou agenda de corte de gastos
Em dezembro, o governo Lula concluiu o pacote de corte de gastos, esperado pelo mercado financeiro. Na visão de analistas, foi ali que o setor econômico consolidou o entendimento de que a gestão petista não faria um ajuste suficiente para manter o arcabouço fiscal em pé e sanar o déficit das contas públicas.
Conforme o Estadão mostrou, o governo começou a ter mais dificuldade para vender títulos e as taxas atingiram recordes, expondo a desconfiança dos investidores e uma cobrança por medidas efetivas de controle de despesas.
Analistas do mercado financeiro avaliam que o governo abandonou a agenda de corte de gastos, e daqui para frente, vai focar em aumentar a isenção do Imposto de Renda, lançar medidas de crédito e tentar impulsionar a economia pelo consumo das famílias, de olho nas eleições presidenciais de 2026.
O cenário da dívida pública só mudaria se o governo pelo menos falasse que vai colocar o ajuste fiscal como prioridade novamente, gerando uma expectativa no mercado. “O governo já demonstrou que a reeleição é mais importante do que arrumar a casa”, diz Julio Ortiz.
Daniel Waterman/Estadão Conteúdo