Leão diz que futebol atual dá sono e lamenta roubo de R$ 20 milhões em casa: “Órfão do meu passado

Leão diz que futebol atual dá sono e lamenta roubo de R$ 20 milhões em casa: “Órfão do meu passado

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Emerson Leão vive dias menos ferozes do que os passados nos mais de 50 anos de carreira no futebol. Aos 75 anos e longe dos holofotes há algum tempo, o ex-jogador e técnico parou por conta própria. Segundo ele, motivado pela perda da identidade do que considera o futebol ideal.

– Bom, é só por opção mesmo. E eu ainda fico agradecido, porque até hoje os presidentes me telefonam, me oferecem cargos de treinador e de dirigente. Eu agradeço, mas não aceito. Hoje, sou um homem de 75 anos, que trabalhei no futebol no mínimo 50. Passei por muitos grupos como treinador e como jogador, e tive a felicidade de passar pela seleção brasileira, como treinador e também como jogador.

“Eu acho que o que jogam hoje não é futebol, acho que é um novo esporte com a bola de futebol.”

— Emerson Leão

– Estou um pouco afastado do meio do futebol, tenho relacionamentos, mas o futebol hoje está mudando tanto, as equipes estão mudando tanto, é outra maneira de jogar. Então, não é prazeroso mais para mim. E falar isso como brasileiro me dá um sentimento, talvez, até de culpa. Mas o que eu vejo no campo não prende a atenção. Então, eu adormeço muito cedo – disse Leão.

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

O reflexo da perda de identidade, segundo Leão, pode ser visto no desinteresse do torcedor com a seleção brasileira. Campeão do mundo em 1970 no icônico time comandado por Pelé, Emerson Leão diz que o seu afastamento é quase total.

– O público hoje, o torcedor brasileiro, o povo brasileiro, não tem mais um relacionamento com a seleção brasileira. A paixão dele não é mais a seleção brasileira, estão mais com os clubes agora que com a Seleção. E isso eu não consigo entender. Então, nós temos que mudar tudo, trazer pessoas com brilho próprio e com capacidade. Acho que o futebol virou muito comércio, deixou de ser esporte, de ser cultura. Deixou de ser lazer para ser negócio. Hoje, é só fazer negócio. Os clubes de coração de todos vocês estão sendo vendidos.

– Desde criança, eu tenho um clube de coração. O cara vendeu o meu clube, trocou a cor da camisa, trocou… Para que eu vou torcer? Para o dinheiro ou para o meu coração? Essa é uma maneira de interpretar a minha vida, acho que tudo de bom, a essência do futebol, do torcedor, da maneira de ser, de estar profissional demais, de estar comercial demais, deve-se tudo a um pouco… Alguns aceitam, outros não. Os que aceitam, continuam. Os que não aceitam, se afastam. E, às vezes, aquele que tem capacidade para gerar se torna silencioso, talvez tenha até um pouco de culpa, porque poderia ajudar mais – contextualizou o ex-jogador e treinador.

Ídolo e um dos maiores goleiros do Palmeiras, a passagem polêmica pelo Corinthians da “Democracia Corinthiana” até a disputa de quatro Copas do Mundo com o Brasil, Leão também construiu carreira marcante como treinador, sendo campeão por Sport e Santos, além de um conturbado período como técnico da Seleção – ele diz ter se arrependido de aceitar o convite em 2000.

– Ainda bem que aconteceu, porque eu cometi um erro. Eu aceitei a Seleção, não deveria aceitar a Seleção naquela circunstância, porque aquele presidente [Ricardo Teixeira] não me queria. Ele me pediu para o [Antônio] Lopes, que era meu diretor de futebol, porque o Lopes tinha sido preparador físico meu dentro do Vasco. Nós tínhamos amizade e temos até hoje. E eu estava no Sport, tinha sido campeão, estava um oba-oba danado, boa campanha, relacionamento bom, ex-atleta de peso no futebol brasileiro. E foi isso que aconteceu.

Eu nunca conversei com o presidente (Ricardo Teixeira), nunca. Tem cabimento? Fiquei nove meses e nunca conversei

— Emerson Leão

– E eu já sabia que ele estava conversando com o outro [Felipão] dois meses antes da minha saída. Quer dizer, isso não é caráter. Isso é mau caráter, maneira de trabalhar, de fazer as coisas. Depois, nós ficamos tão desmoralizados através do órgão máximo do futebol, que prendeu todo mundo, cara. Todo mundo foi preso – relembrou Leão.

Ficha Técnica

  • Nome: Emerson Leão
  • Idade: 75 anos (11/07/1949)
  • Profissão: ex-jogador e técnico de futebol
  • Carreira como jogador: São José, Comercial, Palmeiras, Vasco, Grêmio, Corinthians, Sport e seleção brasileira.
  • Títulos como jogador: Copa do Mundo (1970); Campeonato Brasileiro (1969, 1972, 1973 e 1981); Campeonato Paulista (1972, 1974 e 1976); Campeonato Gaúcho (1980), entre outros.
  • Carreira como treinador: Sport, Coritiba, Palmeiras, Shimizu S-Pulse, Portuguesa, Verdy Kawasaki, São José, XV de Piracicaba, Juventude, Athletico-PR, Atlético-MG, Santos, Internacional, Corinthians, Al Sadd, Cruzeiro, São Paulo, Vissel Kobe, Goiás e São Caetano.
  • Títulos como treinador: Campeonato Brasileiro (1987 e 2002); Copa Conmebol (1997 e 1998); Copa do Imperador do Japão (1996); Campeonato Pernambucano (2000) e Campeonato Paulista (2005).
Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Leão acredita que o número cada vez maior de jogadores e treinadores estrangeiros têm prejudicado o desenvolvimento técnico do futebol brasileiro. Segundo ele, esse movimento significa a falência do esporte no país.

– Eu acho que o Brasil está precisando repensar tudo isso novamente. Aí você vai falar pra mim: “Você é contra o jogador? Você é contra técnico estrangeiro?” Não, não sou. Uma quantidade não significa qualidade. Por exemplo, a quantidade de técnicos que tem aqui é um absurdo, de estrangeiros. E eu posso falar que fui técnico estrangeiro também. Agora, não concordo com o técnico estrangeiro na seleção brasileira. Para mim, isso é o fim, a falência, entendeu? Essa é a minha opinião.

A carreira no futebol o fez construir fortuna, acumulando fazendas de criação de gado, soja e também colecionador de obras de artes. Atualmente, não se considera mais um “ruralista” depois de ter vendido todos os negócios para aproveitar as filhas, a neta e a esposa, com quem é casado há 54 anos.

Em 2022, boa parte dos bens acabaram furtados de sua casa em São Paulo. Foi uma das maiores derrotas da vida de Leão, que estima prejuízo superior a R$ 20 milhões. Entre os itens, a medalha original e uma réplica do troféu da Copa de 1970, condecorações recebidas ao longo da carreira, além de uma coleção de joias e obras de arte.

– Uma experiência que eu não desejo que ninguém possa passar. A quantidade de ladrão que tem no Brasil, eles trafegam por um mundo diferente porque têm respaldos diferentes do mundo de hoje, principalmente em São Paulo. O que eu quero dizer é o seguinte: eles não roubaram uma coisa que conquistei, eles roubaram tudo o que conquistei. Roubaram tudo o que você possa imaginar, desde meu princípio de carreira, todas as taças ganhei pela Fifa, pela CBF, CBD antes, pelos governadores, presidentes, prefeitos, amigos, clubes, tudo, joias… Eu dou um presente por ano para a minha mulher. Roubaram tudo o que você possa imaginar.

Não me pergunte daquela taça que você ganhou, aquela medalha… Não tenho nada. Fiquei órfão do meu passado

— Emerson Leão

– Uma casa que eu construí, que morava. Estava fora de São Paulo, eles sabiam da minha rotina, deveriam saber, porque ficaram das cinco à meia-noite e meia dentro. Pegaram dois [polícia prendeu dois acusados], eles falaram que não vão falar, venderam as coisas, então… Faz algum tempo, uns dois anos já que aconteceu isso, e até agora retorno zero. Não tenho nada – contou.

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Em entrevista de 1h20 ao Abre Aspas em seu apartamento na capital paulista, Emerson Leão abriu o coração sobre a carreira, contou bastidores de sua relação com Tévez e Mascherano no Corinthians, a bronca e a promessa de visitar Robinho na prisão, além da fama de ser uma pessoa de difícil trato. Nenhuma pergunta deixou de ser respondida pelo personagem conhecido pela personalidade forte e pelo relacionamento turbulento com a imprensa.

ge: Você disse que está afastado do mundo do futebol por opção. Por quê?
Leão: 
– Bom, é só por opção mesmo. E eu ainda fico agradecido, porque até hoje os presidentes me telefonam, me oferecem cargos, ora de treinador, ora de dirigente. Eu agradeço, mas não aceito. Eu comecei a jogar futebol com 14 anos de idade, era um garoto, alto, forte, e me falaram que eu sabia jogar. Me tornei profissional com 14 anos e fui parar com 38, quase 40 anos. É só por isso que eu parei de jogar. Por quê? Porque eu já estava cansado de jogar futebol, já estava passado. E já tinha realizado as coisas que desejava, até muito mais do que merecia ou talvez esperasse.

– Então, resolvi parar como jogador. E por incrível que pareça, joguei no domingo de tarde e domingo à noite os presidentes, inclusive o presidente do Sport, o diretor, foram na minha casa me pedir para assumir. Eu não queria ser treinador. Eu não estava preparado para ser treinador, nunca pensei que o treinador fosse sair, porque o time não era ruim. O time era bom, apenas não ganhou o campeonato por circunstâncias. Foi vice. Então, foi assim que eu comecei minha carreira como treinador.

– E para a satisfação e logicamente, para mim, particularmente, fui treinar os meus companheiros. No dia seguinte, cheguei lá com outra conduta e o pessoal até estranhou, sabe? Mas deu certo. A gente trabalhou bem, ganhamos bem e ficou até hoje, isso é importante. Esses foram os dois começos da minha vida. Hoje, sou um homem de 75 anos que trabalhei no futebol no mínimo 50 [anos]. Passei por muitos grupos como treinador e como jogador e tive a felicidade de passar pela seleção brasileira, como treinador e também como jogador. Cada um tem a sua maneira de ser, a sua personalidade, acho que isso é muito importante.

Você consome futebol fora deste eixo de trabalho?

– De 0 a 100? 95, não. Por quê? Porque às vezes o horário, sou um cidadão que cresci no meio do futebol, estou um pouco afastado do meio do futebol, tenho relacionamentos, mas o futebol hoje está mudando tanto, as equipes estão mudando tanto, é outra maneira de jogar. Eu acho que o que jogam hoje não é futebol, acho que é um novo esporte com a bola de futebol. Então, não é prazeroso mais para mim. E falar isso como brasileiro me dá um sentimento, talvez, até de culpa. Mas o que vejo no campo não prende a atenção, então adormeço muito cedo, prefiro. Agora, logicamente, a gente não é que tem a obrigação, tem o passado de gostar das coisas do Brasil, eu não vejo, sinceramente não vejo, isso é ruim.

– O público hoje, o torcedor brasileiro, o povo brasileiro, não tem mais um relacionamento com a seleção brasileira. A paixão dele não é mais a seleção brasileira, estão mais com os clubes agora. E isso eu não consigo entender. Então, nós temos que mudar tudo, trazer pessoas com brilho próprio e com capacidade. Acho que o futebol virou muito comércio. Deixou de ser esporte, cultura, deixou de ser lazer para ser negócio. Então, hoje, é só fazer negócio. Os clubes de coração de todos vocês estão sendo vendidos. Então, espera um pouquinho. Desde criança, eu tenho um clube de coração. O cara vendeu o meu clube, trocou a cor da camisa, trocou… para que vou torcer? Para o dinheiro ou para o meu coração? Essa é uma maneira de interpretar minha.

E você acha que, realmente, o mercado, o dinheiro e a maneira como as pessoas torcem acabou tirando toda essa identidade do futebol?

– Eu acho que tudo de bom, a essência do futebol, do torcedor, da maneira de ser, de estar profissional demais, de estar comercial demais, deve-se tudo a um pouco. Alguns aceitam, outros não. Os que aceitam, continuam. Os que não aceitam, se afastam. E, às vezes, aquele que tem capacidade para gerar se torna silencioso, talvez tenha até um pouco de culpa, porque ele poderia ajudar mais.

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Você acha a pré-candidatura do Ronaldo Fenômeno à presidência da CBF pode mudar de alguma forma esse cenário atual?

– Não vejo assim, não vejo assim. Ele foi um grande ex-atleta dentro do campo, teve seus problemas fora do campo, que todo mundo sabe o fato. Entrou numa nova era de negociação, ele é um empresário. E eu ouvi o Ronaldo falando que ele até gostaria de ser, como o Zico também já teve esse sabor de tentar e desistir, porque aí envolve muita coisa até de ser possível um candidato. Tem que ser aprovado, ter voto, ter indicação, ter uma série de coisas. Então, acho muito difícil. Agora, se isso acontecer, ele é fruto do meio. E como fruto do meio, ele deve saber escolher a sua semente para germinar de uma maneira muito positiva, porque do jeito que está, não acredito.

Leão, vamos completar 24 anos sem ganhar uma Copa do Mundo, como foi de 1970 até 1994. Você coloca isso em qual conta? Um pouco disso, dessa descaracterização do futebol, ou também da perda de qualidade, talvez, do futebol brasileiro nesse período?

 Um pouco de tudo. Porque se você tem qualidade, mesmo na adversidade, você consegue vencer. É só você fazer um grupo. Pode ser até diferente, mas com qualidade. E eu não vejo isso no Brasil. O Brasil hoje é um país pagador. Por quê? Não temos mais jogadores aqui? Antes, aí eu tenho que voltar ao passado, me desculpe, vocês mais jovens, que se tivesse algum estrangeiro no time brasileiro, era um. E esse um era um dos maiores no mundo.

– Posso citar um nome? O São Paulo tinha um Pedro Rocha, quer coisa melhor que o Pedro Rocha? Para mim, um dos maiores jogadores que já vi jogar. Então, não tenho rejeição. Depende da quantidade e da qualidade. Você trazia um outro jogador maravilhoso. Então, esses aí, agora você pega um time, quando você escuta, eu estou vendo, só estão falando em castelhano, espanhol, oito, nove jogadores estrangeiros em cada time, não consigo entender como que nós vamos formar a Seleção.

Não concordo com técnico estrangeiro na seleção brasileira. Para mim, isso é o fim, a falência

— Emerson Leão

– Vocês devem lembrar, não sei se você lembra um pouco por causa da sua idade mais jovem, que a seleção italiana ficou sem ganhar, sem ter brilho, sem se associar com a torcida, muitos anos, muitas Copas até ficou fora. Por quê? Porque era só estrangeiro, estrangeiro, estrangeiro. Espera um pouquinho, vamos parar com isso. Conclusão, reconquistaram o seu lugar.

– Eu acho que o Brasil está precisando repensar tudo isso novamente. Aí você vai falar para mim: “você é contra o jogador, contra técnico estrangeiro?” Não, não sou. Uma quantidade não significa qualidade. Por exemplo, a quantidade de técnicos que tem aqui é um absurdo. E eu posso falar que fui técnico estrangeiro também [quando treinou um time japonês]. Agora, não concordo com o técnico estrangeiro na seleção brasileira. Para mim, isso é o fim, a falência. Essa é a minha opinião.

E nos clubes, Leão? Temos o Abel Ferreira no Palmeiras fazendo um grande trabalho. Nos clubes você já é mais maleável a essa ideia…

– O problema é o seguinte, sou obrigado a responder pelo nome. O Abel, quando chegou aqui, ninguém conhecia, correto? Foi mérito dele se tornar conhecido. Ele não tinha grana, hoje ele é milionário, por mérito dele. E por mérito do Palmeiras que aceitou correr o risco. Então, hoje, ele já está há muitos anos aqui. Até não sei se já teve os seus mergulhos… esse ano que ele passou foi um ano perigoso pra ele, muitos queriam a cabeça dele e tudo.

– A Leila bateu o martelo, porque ela tem esse poder, o presidente tem esse poder, então ele se transformou num técnico mundialmente conhecido por meio de quem? Do Brasil. E assim, seguidamente, os técnicos acontecem assim, desconhecidos pra cá, e daqui a pouco desabrocham. Todos eles são assim. Se nós pegarmos a qualidade de técnicos passados pelos times do Brasil e de estrangeiros, e quem deixou legado e fez sucesso, não dá 10%, 5%.

– Não é melhor ficarmos com os nossos e criarmos novos treinadores? Não, não, tem que estar no comércio, né? E o Dorival Júnior, não sei lá do trabalho dele na Seleção, não acompanho tanto os treinamentos, mas conhecendo o Dorival, obviamente… conheço o Dorival, que pra mim é Júnior não é o Dorival há muito tempo, porque fui treinador dele e o levei a alguns times pela capacidade dele de cooperação, é um jogador de meio de campo, pelo caráter dele, pela honestidade dele e pelo que agrega em um grupo de trabalho.

– Então, como treinador, ele chegou no mundo da seleção brasileira na pior época possível. E está sofrendo por causa disso. Ele não tem quem convocar quando pode, quando pode está machucado ou não está, vai jogar onde, como vai jogar, não tem isso. Ele não teve tempo de nada, absolutamente nada. Conclusão, está sofrendo muito e vai continuar sofrendo.

– Nós precisamos fazer como em 1970, uma corrente para frente. E eu não vejo isso. Não vejo isso mesmo, sabe por quê? Quando me olho no espelho, não me vejo torcedor da Seleção. Porque eu não conheço a Seleção, isso porque fui atleta, quer dizer, foi minha casa durante muito tempo. Eu fui educado dentro do futebol, cresci dentro do futebol.

– Então, o que posso dizer para você? Que fico triste de ver as circunstâncias, estamos aí às portas de uma nova Copa do Mundo e não estamos nem classificados. Quer dizer, olha só, o Brasil tem que ter medo de não classificar. Nunca existiu isso. Eu me lembro que a gente ia jogar contra quem, contra fulano e vamos ganhar de quanto hoje? A conversa entre nós era essa, não vejo isso mais.

Você viveu essa experiência. É difícil ser técnico da Seleção?

– Se isso fosse lá atrás, eu diria que era um prazer. Hoje é uma dificuldade muito grande e é um risco maior do que a dificuldade. Porque se você vai à Seleção e vai se descaracterizar por uma série de atos, porque muita gente pressiona “quero isso, quero aquele, quero isso, quero aquele, quero que vocês vão para a rua, não quero nem saber de vocês”. Então, às vezes, você tem que ser mais incisivo. Não um ditador, mas verdadeiro para chegar a uma realidade. Acho muito difícil, estou preocupado com o nosso Brasil já há algum tempo. Quando penso que nós perdemos de sete aqui dentro da nossa casa, a gente não perdia pra ninguém dentro da nossa casa, mas sete, pelo amor de Deus.

– Outro dia eu estava vendo uma trajetória da seleção brasileira em que enfrentei e falaram que nós jogamos contra a Alemanha. Eu não me lembro de perder da Alemanha. Eu não me lembro de perder da Itália. Eu não me lembro de perder da Argentina. Então, quer dizer, alguma coisa está errada. Ou melhor dizendo, desculpe, não é alguma coisa, não, muita coisa está errada.

– Agora, se não deixar o treinador trabalhar e dar tempo para ele, nós nos concentramos dois, três meses antes da Copa do Mundo, nós ficamos todo dia juntos, até enjoava de ver você todo dia, mas para a simplicidade de uma maneira diferente, treinava cedo, treinava tarde, ficava um, noventa dias, sessenta dias, aí sim você forma qualquer time.

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Você acha que muito desse seu jeito, dessa sua postura, foi o que talvez tenha te atrapalhado na passagem pela Seleção?

– Não. Muito pelo contrário, ainda bem que aconteceu. Porque eu cometi um erro, aceitei a Seleção. Eu não deveria aceitar a Seleção naquela circunstância, porque aquele presidente [Ricardo Teixeira], ele não me queria. Não me queria, ele me pediu para o Antônio Lopes, que era meu diretor de futebol, porque o Lopes tinha sido preparador físico meu, dentro do Vasco, nós tínhamos amizade e temos até hoje. E eu estava no Sport, tinha sido campeão, estava um oba-oba danado, boa campanha, relacionamento bom, ex-atleta de peso no futebol brasileiro. E foi isso que aconteceu.

– Eu nunca conversei com o presidente, nunca, tem cabimento? Fiquei nove vezes e nunca conversei. E eu já sabia que ele estava conversando com o outro dois meses antes da minha saída. Quer dizer, isso não é caráter. Isso é mau caráter, maneira de trabalhar, de fazer as coisas. Depois, nós ficamos tão desmoralizados no órgão máximo do futebol que prendeu todo mundo, cara. Todo mundo foi preso.

– Todo mundo fazia coisas com as companhias, com as empresas de material esportivo particular de jogadores e tudo. Tem gente que não pode nem sair do Brasil. Se sair, prende. Tem outro que já foi preso, quer dizer, já morreu. Uma série de pessoas, meu Deus do céu. E eu conhecia todos eles, mas mudaram. Mudaram de personalidade, mudaram de caráter. E o Brasil ficou nessa negativa. Então, estou esperando para que volte. Não acho que vai ter tempo até a Copa do Mundo para voltar.

Porque eu cometi um erro, aceitei a Seleção. Eu não deveria aceitar a Seleção naquela circunstância

— Emerson Leão

E o que aconteceu na sua demissão?

– A demissão? Eu não estava nem no Brasil. Nós jogamos e eles queriam que nós falhássemos. Não deixaram convocar nenhum jogador estrangeiro, não deixaram convocar nenhum jogador de time grande. E você vai jogar com o campeão do mundo num torneio e quer ganhar? Não, cara. Mas é aquele negócio, “boi de piranha”, entendeu? Eu já sabia que isso ia acontecer. Mas queria ver por dentro e me decepcionei. Ainda bem que uns foram presos e outros estão exilados do futebol. Palavra certa é essa, achei uma palavra: exilados, do futebol.

A Seleção de 1970 foi a maior Seleção de todos os tempos, o maior time que já se formou no futebol? Você tem essa opinião ou não?

– Não, não tenho essa opinião, não. Eu era um garoto de 19 anos que aprendi muito internamente o que era Seleção. Acho que nós tínhamos jogadores individuais fantásticos e outros de médios a fortes. Com o agrupamento de dois, três meses juntos formou-se uma uma equipe muito boa, onde todos jogavam. Só que seguinte, tinha o titular e tinha o reserva. Agora, se você joga 50 jogos, 60 jogos por ano, os caras, pelo amor de Deus, quem quer jogar mais que não pode, tem que medir isso, tem que medir isso. Eu já estava jogando 90 jogos por ano. Não sentia nada, não tinha nada de chato para ninguém, não. Porque o teu reserva de posição era tão bom quanto você. Então você não queria sair: “no meu lugar, não”, entra no lugar do outro. Por quê? Quando eu errar, você me tira. Quando não errar, não me tira. Então foi isso que aconteceu.

– Nós tínhamos craques individuais maravilhosos que superavam por serem craques inteligentes, superavam até na hora da escalação. Por exemplo, o Rivellino foi ponta esquerda, um dos melhores jogadores que nós tínhamos era o ponta esquerda, o Edu, do Santos, maravilhoso, tinha que ser titular. Mas, por circunstância, o Zagallo pôs o Rivellino, querendo até pensar que o Rivellino podia fazer aquilo que o Zagallo fez há muitos anos, mas todo mundo se adaptava bem e ninguém tinha raiva e inveja de ninguém. Hoje fica mais difícil.

Você falou da quantidade de jogos hoje. Você acha que isso é um motivo para a queda de qualidade e rendimento do futebol atual?

– Eu acho que isso é uma realidade. Os treinadores fazem isso, preparadores fazem isso. Hoje, na comissão técnica tem 15 pessoas… eu trabalhei bastante como treinador. Comissão técnica, treinador, preparador físico, preparador de goleiro, tudo isso. Mas tem 50, tem 20, mas espera aí… não, porque eu estudo isso, estudo aquilo, estudo aquilo. E lá dentro do campo vou muito para sala de musculação, treino com bola.

– Quando cheguei num time lá, falei: “bom, agora não vou aquecer. Não, vou aquecer, você vai fazer isso aqui, quem determina é a pessoa responsável”. Aquecimento com bola, bola de cara, mas com critérios, entendeu? É por isso que eu me formei professor de educação física, para aprender também, para poder ensinar.

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Emerson Leão em entrevista ao Abre Aspas — Foto: Marcos Ribolli

Se não foi a Seleção de 70, qual o grande time da sua carreira?

– Eu joguei em grandes times, né? Porque todos os times que joguei eram grandes. Obviamente, você fica mais notoriamente famoso quando você joga durante muito tempo no mesmo grupo. Por quê? Porque você cria raízes, o público fica acostumado com você, o seu torcedor é acostumado com os seus amigos, com a escalação. Inegavelmente, um time que joguei mais vezes e ainda continuo a ser o atleta de gol que mais jogou no Palmeiras, fui eu. E tinha um time fantástico, tão fantástico que na Copa do Mundo de 1974, de 11 titulares do Palmeiras, seis foram para a Seleção. E os outros poderiam ir também. Talvez tivesse uma campanha melhor se fossem os outros.

Você acha que o futebol brasileiro trata os ídolos da maneira como eles merecem?

– Nós não temos essa cultura. Nós não temos essa educação, não temos essa lembrança do grande ídolo. Você vai ao exterior, você fala de Eusébio [ex-jogador português], ele está enterrado no melhor lugar, ao lado da cantora de fado melhor que tinha. E assim será com o [Cristiano] Ronaldo. O Brasil não tem essa cultura. Por exemplo, o Pelé faleceu, quer um maior exemplo do Pelé? Foi um negócio mais concentrado em Santos, ele está lá enterrado num museu pouco visitado. Ele é o Pelé, o homem do mundo. O número um do mundo. Se levasse qualquer pessoa do mundo e colocasse ao lado do Pelé, o Pelé era conhecido. Essa outra pessoa, não.

– Eu convivi com ele, trabalhei com ele, estudei com ele, nós estudamos faculdade juntos. E acho que tem dois grandes ídolos aqui. Na realidade três: o Pelé, que deveria ir lá pro Rei Maior, que nós tínhamos de reverenciar toda hora, falar pros nossos filhos, nossos netos, informarmos eles, levarmos até onde está o Pelé, levarmos até o que o Pelé fez, mostrarmos pra eles em Santos o Museu Pelé. Tudo isso aí deveria fazer, mas nós não fazemos. Nós não temos essa cultura no Brasil.

– O Senna é outro, você passa na Marginal, quando você sai do aeroporto, tem um memorial. Não parece ser ele, mas tem que ter um negócio maravilhoso. Sabe por quê? Porque vamos passar do automobilismo de futebol pro automobilismo, vamos passar pro tênis, a Maria Esther Bueno. No basquete, os ídolos que conheci pessoalmente, que foram campeões do mundo, ninguém sabe quem é… se você não anda na rua, se você não aparece na televisão, muita gente não sabe o que é.

– Eu, quando saio na rua, o pessoal se aproxima pra falar comigo, relembrando o passado. Olha, você tirou fotografia com meu neto, você tirou fotografia com minha filha, você tirou isso. Então, isso aí é o retorno que você tem. Mas nós não temos a cultura de oferecer esse retorno aos nossos ídolos brasileiro.

Você tem a noção do seu tamanho na história do Palmeiras, na história do futebol brasileiro?

– Eu tenho noção, sabe? Porque a rua me dá essa noção, tenho certeza disso. Eu tenho 75 anos, ainda saio e eu sou requisitado. Isso faz bem, não só para o meu ego, como pelas minhas lembranças… que você cumpriu positivamente aquilo que se esperava de você, às vezes até superando. Agora, não vejo isso em todo mundo. E quando acho na rua um desses ídolos, vou até ele.

– Eu fui num restaurante, estava com a minha família, com os amigos, e vi que tinha sentado uma pessoa. Estava sentada uma pessoa, uma outra pessoa, que estava ao meu lado, conhecia uma senhora que estava sentada junto com ele. Quando olhei ao lado tinha um senhor grande sentado com um andador. Olhei para ele e falei: “desculpa falar, você é o Amauri, do basquete?” Ele falou: “sou, como é que você me conheceu?”. Não sou eu que tenho que te conhecer, o mundo te conhece, os brasileiros têm que te conhecer. Você foi um dos maiores ídolos do basquete. Até morreu, né, esse ano agora… e aí ele ficou espantado que alguém o conheceu. E ele tinha operado a bacia, aí saiu de andador e tal. Pô, eu fiquei feliz de poder homenageá-lo, particularmente, mano a mano com ele. Acho que isso, no nosso Brasil, falta demais.

– Eu tenho muita amizade com alguns ex-atletas, às vezes, uma vez por mês, pelo menos, nós estamos juntos, eu e Rivelino, no sítio dele tem uma confraria, tem um relacionamento, a gente se fala muito, eu e o Zico, eu e outras pessoas, outros que já faleceram, isso é importante, isso é muito bom. E a única maneira de você passar isso é dando exemplo. Se você foi um ídolo momentâneo e faz coisas muito erradas, você não vai ser referência nunca.

Muito se falava das “pernas do Leão”, do comercial de cuecas que você fez. Lembra disso?

– Pior que lembro. Houve uma realidade muito gozada na Copa, isso foi numa Copa, foi uma francesa que acabou essa confusão. Na Copa de 74, nós tínhamos tempo para treinar, lembra que eu te falei? E o brasileiro sempre usou o uniforme bonito e nós usávamos calção curto, porque nós jogamos aqui abaixo da linha do Equador, nós temos o calor sul-americano, né? Então eu tomava sol quando tinha tempo, então os jogadores do Brasil estavam sempre correndo, calção curto. E essa francesa, depois eu fiquei sabendo, foi à Copa do Mundo, na Alemanha, só para ver o outro lado da Copa, é mais ou menos como vocês, vocês nunca querem ver o futebol, querem ver a confusão que o futebol faz.

– Então, ela chegou de volta da Copa do Mundo e escreveu no jornal dela, que uma das coisas que ela notou era que o goleiro da seleção brasileira tinha as pernas bonitas, as pernas mais bonitas da Copa. Mas não era assim, sabe? Porque o atleta sempre tem perna bonita, sempre tem perna forte, diferente um do outro, mas tem. Aí o que acontece? Pronto, é o suficiente para o Brasil começar a repetir isso, aí entraram as propagandas de cueca, as outras propagandas, que o atleta antigamente era mal visto, não fazia propaganda na televisão, muito mal visto pelas famílias, inclusive. Aí começou a mudar, de 70 para cá, começando a ser bem recebido pelas famílias, né? Isso foi muito importante.

– E isso perdura até hoje. Eu disse que ontem eu fui ao shopping, encontrei uma senhora palmeirense que ia ao estádio desde sete anos de idade para me ver. Porque ela ia para ver o Palmeiras, né? Então, essa cultura de endeusar por algum motivo, passou muito por vocês. Aí eu fui lá no outdoor, no ônibus, atrás de não sei o quê na rua, mas tudo normal, não tem problema nenhum. Isso foi uma realidade e perdura até hoje.

– Mas eu gostaria que outros ídolos tivessem, por exemplo, eu vi outro dia, me mandaram, um ranking dos 10 maiores goleiros do Palmeiras. Aí começaram a classificar, de todos que eles classificaram, só um que eu não conhecia, que era muito lá de trás, que tinha jogado cento e poucas partidas. Então eles colocaram as partidas assim, essas coisas vão formando um outro. Eu gostaria que o que tivesse no primeiro lugar torcesse pro cara do segundo lugar passar por cima. Por quê? Porque é a outra geração. Por coincidência, o que tem mais fui eu. O segundo é o Marcos, fui treinador do Marcos e fiz de tudo pra ele jogar mais do que ele podia pra ser o primeiro, queria que sempre um ajudasse o outro, sabe? E essas coisas, infelizmente, não acontecem.

Está difícil criar ídolos no futebol atual?

– No futebol atual só se ele for um estrangeiro, não tem ídolo nacional. Fala um ídolo nacional, aí? Nenhum. Todos falam de exterior porque são vendidos com 15 anos de idade. Outro dia eu vi um menino que apareceu no interior, não sei aonde, tem 8, 9 anos de idade. O Barcelona e o Real Madrid já estão disputando um menino, oferecendo mundos de futebol, 8 anos de idade, só porque viram lá.

– Isso aconteceu com o Robinho. O que aconteceu com o Robinho, com o Santos, com o Neymar, é mérito de um ex-jogador. De dois ex-jogadores. Do Abel, que é o pai do jornalista (Abel Neto), que jogou no Santos de ponta esquerda e olhava o jogador, levava a criança, e o Zito, que criava, onde esse menino vai treinar? Eles fizeram futebol de salão só pra colocar o Neymar, o fulano, então isso é importante. Mas quem veio são os homens, depois chegam os empresários e roubam, levam embora e tchau.

Você considera o Santos o seu melhor trabalho como treinador?

– Não, não. Eu acho, o jornalista, no caso você, tem mania de falar que o melhor treinador é o que ganha. Às vezes não é, não. Se você pegar, por exemplo, hoje, se eu tivesse que dar mérito para um treinador, inclusive estrangeiro, eu daria para o treinador do Fortaleza (Juan Vojvoda). Ele está longe do grande cenário, está longe de ser milionário, está longe de ser conhecido quando chegou, está fazendo um trabalho a longo prazo maravilhoso.

– Ele substituiu outro ídolo, que era o Rogério Ceni, que fez um trabalho maravilhoso, que precisa ser, mais do que é como treinador do Brasil, o Rogério, ele tem capacidade, tem que ir para isso. São maneiras de trabalhar, é sério também, não é muito simpático. Você não precisa ser simpático, você tem que ser bom. Então, eu penso dessa maneira, por isso que eu citei o treinador do Fortaleza como um exemplo positivo, nós temos que formar essas coisas.

E qual trabalho como treinador você guarda com mais carinho, é mais marcante?

– Você viu que eu enrolei para não falar, né? Eu tenho carinho pelo Sport, nós não éramos nada, fomos tudo, fomos campeões. O Santos, o Santos estava horroroso, e estava todo mundo lá e ninguém achava as crianças, as crianças estavam lá, vai gastar? O presidente não tinha dinheiro, disse que a gente ia cair, eu falei, vamos cair juntos, não tem problema. Colocamos os moleques, foram maravilhosos. Estou trabalhando no Internacional de Porto Alegre, nós não fomos campeões, mas foi melhor do que ter sido campeão, porque nós salvamos para não cair no último jogo, contra um dos maiores times que o Palmeiras fez, que foi o time da Parmalat, o time do dinheiro. Entendeu? Nós ganhamos o jogo no finalzinho e nos salvamos do rebaixamento.

– Isso, para mim, tem muito valor. Por isso que eu te falo, não é o melhor treinador, não é aquele que ganha, é aquele que faz um bom trabalho, e alguns são esquecidos do interior aí, que fazem um bom trabalho, fazem um bom trabalho, e não tem bons empregos, sabe por quê? Porque não tem bons empresários, porque não se dão com os empresários, não se deixam levar, é isso. Tem vezes que eu falo, em tom de brincadeira, mas é verdade. Tem jogador que está em time grande não porque ele é bom jogador, porque o empresário dele é melhor que ele, que coloca lá. Por que coloca lá? E como colocou lá? O problema é para você pesquisar.

Você acha que os clubes ficaram dependentes de empresários?

– Tem muita propaganda enganosa também, mas tem muita verdade. Agora, ninguém entra no futebol porque ama o futebol, mas pelo dinheiro que o futebol pode proporcionar a ele. E aí, se ele for bom, ele faz bons investimentos, isso é verdade. Por exemplo, Palmeiras quando a Leila entrou, ela precisava? A Crefisa precisava? Não, ela era uma torcedora que queria fazer o melhor para conquistar o melhor. Ela fez tudo isso e conquistou o melhor. Essa é uma realidade.

– Quando você consegue aproximar as duas coisas, aí fica bonito de trabalhar. Mas precisa de tempo, ninguém consegue grande sucesso no esporte, no futebol, durante muito tempo. Então, você tem que aproveitar bem o pouco espaço e o pouco tempo que você tem.

Gosta do trabalho da Leila Pereira?

– Quem não gostar é porque é ignorante no futebol. Lógico, eu a conheci quando ela não era nem conhecida. Ninguém sabia quem era a Leila. Um dia, eu estava no banco, perto da Crefisa, e a gerente do banco veio falar comigo. Leila, não dá para você tirar uma fotografia com uma cliente nossa assim? Claro que dá, a fotografia com ela era a Leila. Depois, ela se tornou a presidente do Palmeiras. Olha só que feliz coincidência, um ex-atleta aí no meu clube. Você fala, quem é ídolo do clube? Tem alguns que colocam busto no clube, aquele negócio todo, depois tem que fazer muita coisa para eles em vida. Depois de morte, é só lembranças.

Você acha que o Palmeiras errou na forma como lidou com a saída do Dudu?

– Dudu. Conheci muito o Dudu do Palmeiras que jogava com Ademir da Guia, o Divino. Se um jogador como ele chama um Ademir da Guia de Divino, é porque ele era bom mesmo. Então, o Dudu foi um referencial ofensivo maravilhoso do Palmeiras. Ele não é mais o mesmo, lógico que não é. Todas as contusões que ele teve, a última delas, se você ver ele andando, você vê que ele tem dificuldade. Mesmo daquele jeito, ele ainda é bom, tanto é que o Cruzeiro o contratou.

– Agora, se você é um atleta, você tem um contrato que faltam seis meses para vencer, o clube vai para você, porque você é vinculado a ele, e fala, nós vamos te vender por, sei lá, 20, 30, 10 milhões, você não vai ganhar nada, mas daqui seis meses, se você deixar passar, você está livre. Tudo aquilo que esse clube ofereceu para o outro clube, esse clube vai oferecer para você. E você vai se recuperar melhor ainda, porque já conhece o ambiente onde você está, e vai jogar mais seis meses. Foi isso que o Dudu fez.

– O final do diálogo foi muito feio. Foi muito feio o diálogo. Não precisava. Não precisava. Não sei nem o que eles falaram que o Dudu ofendeu a Leila, não sei nem do que ele chamou a Leila, mas postou um monte de taças. Puxa vida, isso tem valor para caramba. Quem ganhou a taça? O Palmeiras. Quem foi, eu diria assim, os veículos que deram a oportunidade para o Palmeiras ganhar? Os atletas com os quais o Dudu fazia parte. E a presidência e a diretoria da qual a Leila era a chefe. Tem que ter ciúmes de ninguém, não, cara. Tem muita vaidade nesse meio.

Tem muita vaidade nesse meio?

 Tem muito interesse, o interesse é maior que a vaidade.

Outra passagem importante da sua carreira é a Democracia Corinthiana, quando você atuou por apenas um ano no Corinthians. Como foi?

– Eu pertenci ao clube Corinthians, que é gigantesco, e que tinha criado o slogan da democracia politicamente. Porque seu diretor principal, que era o Adilson Monteiro, que tinha capacidade, inteligente, que foi até pai do presidente também [Duilio], que eu vi menininho, quando me chamaram na casa dele, e você falou do ótimo Washington (Olivetto), que fazia propaganda, propaganda tem que ter laço, tem que ter uma mão, né?

– Aí tinha alguns jogadores que se engajaram através disso, tem uns que eram mais intelectuais do que os outros, e os outros foram no vácuo, no vácuo dos outros, entendeu? E eu cheguei também. Eu não sou político, eu sou empregado do clube, eu era empregado do clube e como empregado do clube, eu me comportava. Treino, comportamento profissional, você tem comportamento profissional quando você é um atleta profissional? É difícil na alimentação, na bebida, no sono, na presença, no seu comportamento, no seu caráter, na sua honestidade. Olha quanta coisa eu falei, então eu me comportava assim.

– Nem todos se comportavam assim, porque era uma liberdade diferente. Eu não fiz parte da democracia porque eu não assistia muito a essa democracia. Por que que é a democracia? O que que é? Você faz o que você quiser, eu faço o que eu quero. Nós temos uma democracia. Agora, quando você faz o que você quiser, eu tenho que aceitar que é uma democracia. E quando eu vou fazer, eu não posso? Por quê? Porque você é do outro lado? Ou você é diferente? Não, não, não. O mais importante daquela democracia é que tinha um time maravilhoso pra jogar. Entendeu? E só ganhou porque jogava muito bem.

– Agora, os comportamentos extras, eles tinham que eu não participava. Eu não ia dançar, eu não ia beber, eu não ia viver uma vida que… eu vivia a vida de profissional. Agora, capacidade, meu amigo, tinha pra caramba. Eu cheguei, o time era campeão paulista. Então, eu fiz tudo, tudo, tudo, consegui, não sei o quê. E acabou o ano, eu fui embora, voltei pro Palmeiras por mais quatro anos. Por meio do Palmeiras, fui convocado pela Seleção porque eu sempre brincava com meus amigos cariocas, jornalistas. Falaram, enquanto eu for enquanto eu for paulista, vocês vão ter que aguentar o goleiro paulista. Brincando com eles, provocando. Meus amigos, até alguns já morreram e tudo. Então, no Palmeiras, todas as vezes que voltei pro Palmeiras, voltei pra Copa. Então, essas coisas têm que marcar tua vida, cara.

E a passagem como técnico do Corinthians?

– Foi ótimo. Sabe por que foi ótimo? O Corinthians estava mal pra caramba. E eu fui convidado pra ser treinador do Corinthians. Aí eu fui dar uma entrevista no Corinthians lá, né? E eu dei entrevista, quando eu saí um companheiro seu, que trabalhava, perguntou: “você já pensou no que você fez?” Falei: “o que que foi?” Você precisa ganhar 80% dos jogos para não cair no Corinthians. Falei: “é mesmo? Pô, sabe que eu não tinha visto isso?” E era verdade. Falei, então nós temos que ganhar.

– Comecei a trabalhar, a trocar o time para colocar os moleques. Conclusão, deu certo. Tinha umas estrelas, entendeu? Só que as estrelas mandavam lá. Mas a estrela não é pra mandar, é pra colaborar, brilhar. Tinha dia que o cara marcava o treino no quadro negro e o cara pagava. O quê? Jogador fazer isso? Começamos a formar uma outra mentalidade, colocar os garotos, uma maneira de ser, horário é horário. Certo? Foi assim que nós conseguimos esses 80% de vitórias pra não cair. Tinha as estrelas, alguns saíram, outros ficaram.

Era difícil lidar com o Tevez, com o Mascherano, com o Carlos Alberto?

– Lidar com estrela é difícil porque tem um perigo muito grande. Quando a estrela é positiva, quando a estrela é negativa é melhor não tê-la. Os caras falam, você gostaria de ter aquele no seu time? Não. Por quê? Mas ele é maravilhoso, é craque, mas ele traga o resto. Não quero. Entendeu? Você falou do Tevez, eu queria ele titular no meu time, lógico que eu queria. Ele era goleador, cara. Só que ele era irreverente e não era atleta. Então é difícil, não comigo. Nunca tive crise nenhuma com ele. Nunca. Com nenhum. Na verdade, com nenhum.

– Só que um dia, por exemplo, a seleção da Argentina convocou ele. Ele queria jogar na seleção da Argentina. Aí ele veio falar comigo e eu falei, “olha, eu não vou te dispensar”. Não é jogo oficial da Fifa. É amistoso, barato. É caça-niquel, não vou te dispersar. Nem você, nem Mascherano. Não vai. Aí nós estávamos pra jogar no Morumbi e estávamos concentrados. Eu passei por ele, na hora do almoço, e ele falou, não, não sei quem falou, “você que não deixou eu sair”, fui eu mesmo. Eu sou treinador. Se eu estivesse em primeiro lugar, eu te dispensaria. Se eu estivesse em último lugar, já caído, eu te dispensaria. Mas eu preciso de você. Então eu não vou te dispensar.

– Agora, aquele senhor lá é o presidente. Dono do time. Se ele quiser passar por cima de mim, ele tem autoridade pra isso: “ah, é?”. Eu falei: “é”. Aí ele perguntou pro presidente. Não, o treinador falou que não, não. Aí ele respondeu pro presidente: “então, hoje é o último jogo que eu vou fazer”. Assim, passei por ele e bati nele: “você vai fazer esse favor pra gente?” Então, perdeu, dois bicudos se tocando, brigando. Só que eu não briguei, eu determinei, a diferença é essa. Ele jogou, ganhou um jogo de três, acho que ele fez um ou dois gols, e eu nunca mais vejo ele nem o Mascherano. Tiraram eles do Corinthians, eu apenas decidi que ele ia jogar e eu não ia dispensar. Primeiro o Corinthians, depois o amistoso da seleção argentina, que não era Fifa, amistoso secundário, ganho de dinheiro, mais nada. Conclusão, eu fico com essa frescura toda até hoje.

– Eu nem vi mais ele. O filho da mãe, tinha que ter dado nele, porque nós jogamos contra o Boca, ele jogou contra a final de 2003, de Libertadores (Boca x Santos) e fez acho que um ou dois gols. O meu time desclassificou lá. Ele era bom, cara. É craque, craque igual o Neto. Eu troquei o Neto? Troquei. O Neto é um craque de bola, juro. Mas desde criança foi criado com diferença.

Se arrepende de ter trocado o Neto pelo Ribamar?

– Não, tanto é que sabe que eu não me arrependo? Porque o próprio Neto, que fui no programa dele, aquele programa doido que ele tem lá, mas que tem uma audiência fantástica, ele me pediu perdão lá e falou pra mim: “eu queria trabalhar com você agora com a minha cabeça”. Eu falei: “eu também queria trabalhar com você com a minha cabeça agora também”. Mas naquela época não deu, entendeu? Mas ele era craque, cara. Não tem conversa. E se tornou craque, eu falei, mérito dele. O que ele fez ali dentro do Palmeiras eu não ia fazer. Foi isso.

E Robinho e Diego, aquela geração era fácil de lidar?

– Com essa molecada você aprende, aprende a ser moleque. Tinha coisa que eles falavam, não é só Robinho e Diego, não. Até falei com o Marcelo, que hoje é o presidente de novo: “Marcelo, não vende ninguém que você vai ser campeão durante uns cinco anos do mínimo”. Um chegava pra treinar de bicicleta, e o outro de carona ou andando a pé. Aí quando eles começaram a andar de ônibus, eles ficaram contentes. Eram todos crianças, mas com uma capacidade infinita.

– Sabe o que aconteceu? Nós tivemos um mês. O Santos estava eliminado, então nós tivemos um mês pra treinar todo mundo junto. Não conhecia ninguém. E foi assim que nós descobrimos todo mundo. Não tem dinheiro, não pode comprar. Você pedia, pedia, mas não pode comprar, então vamos com essa molecada andar. Nós fomos treinar, treinar, treinar. Chegou o belo dia, eu não acreditava que ele era daquele jeito. E brincando, sorrindo, só fazendo brincadeira, só palhaçada. Aí por isso que eles falavam que você tem que aprender com ele. Eles falavam umas palavras, você não sabia o que era o sinônimo deles, entendeu? Precisava aprender com ele.

– Aí um dia eu chamei o Zito, que era o diretor, ele me visitou. Eu vou a um jogo amistoso com o Corinthians. Ele falou: “você tá maluco? O esquadrão do Corinthians e nós com essa molecada aqui”. Mas preciso testar pra entrar no campeonato. E o treinador do Corinthians era o Parreira, meu amigo particular. Que bom que ele está vivo e que bom que ele me deu um abraço, Parreira. Falei com o Parreira, queria fazer um amistoso e só tinha como exigência jogar na Vila. Eu quero ver o comportamento desse moleque. Você pode trazer o árbitro, você pode trazer o que você quiser. Combinado. Tá bom.

– E o Zito ficou sabendo que eu arrumei pra jogar. Antes do jogo, ele falou assim: “Você é louco. Nós vamos tomar uma paulada? Vai ficar ridículo para nós”. Tá bom. Obrigado pelo conselho. Jogamos, o moleques estraçalharam, parecia que eles estavam jogando… queriam bater nele, ninguém pegava aquele moleque. Aí acabou o jogo, a galera estava no vestiário, e o Zito veio falar comigo: “Você é louco, mas você é louco com sorte”. O Zito foi um craque, um comandante espetacular.

Como foi ver o Robinho nesse outro contexto, agora preso?

– Eu não vou falar pra você, eu não falei pra ele. O Robinho me telefonou. Falei para um programa de televisão, se realmente foi você que fez e foi culpado por aquilo, você tem que pagar. Se eu fosse você, eu já teria pagado na Itália, com bom comportamento você sairia muito mais rápido e já teria pagado sua dívida com a sociedade e com a família.

– Ele disse: “professor, os outros”, não põe os outros no meio, pensa em você. Então foi preso, disse particularmente que eu iria visitá-lo, mas só que teve uma restrição um pouco maior lá na cadeia de Tremembé em que trocou chefia e estavam esperando pra receber visitas. Gosto muito dele, tenho diálogo com ele. Um dia eu estava de férias na Bahia e ele me telefonou pra mandar cumprimentos de feliz ano novo. Aí eu, lógico, falei: “não tô entendendo, quem é que tá querendo falar comigo?” Lógico que eu percebi que era o Robinho.

As visitas estavam mais restritas no começo, nem a família estava podendo ir. Mas eu ainda vou, eu ainda vou. Gosto muito dele, tenho diálogo com ele

— Emerson Leão

– Sabe o que ele me respondeu? Aqui é o melhor jogador do mundo o ano que vem. E eu falei: “só se você mudar de atitude, porque assim você não vai ser”. “Professor, você tá me dando dura?”. Eu falei, tô, tô te dando dura. Entendeu? Então esse relacionamento era muito gostoso, quando ele escondia a bola debaixo do carro, chutava pros amigos dele que estavam esperando lá fora no treino do Santos pra pegar a bola, ele achava que eles não iam vir. Até que começou a ficar mais caro: “daqui pra frente vou descontar do teu salário aquelas bolas que você chutava de propósito”. Ele deu risada. “Pô, professor, você percebeu?”. Pô, lógico que eu percebi.

Você acha que criaram um personagem em torno do Leão, um cara difícil de lidar?

– Não, porque eu acho que tem muito de verdade. Eu acho que é muito de verdade. Não nessa porcentagem, né? Vocês não lidam muito com a gente, como tem com vocês que acham que jornalista é falso. Não, é que eu sou muito decisivo. O que pode e o que não pode. O que deve e o que não deve. Horário por horário. Se chegou atrasado, marquei 10 horas. Marquei 10 horas. Não chegou 10, chegou 10h20, não vou dar mais entrevista com você, não. Eu acordei cedo, supostamente. Me preparei, fiz a barba, arrumei meu cabelo, pus camisa limpa, passei um perfume pra você ficar sentado esperando você, mas não rolou, não. Pense que uma namorada ia te esperar. Não, você ia perder o casamento, cara. Entendeu?

– Então esse mito ficou, mas tem muito de verdade. Eu sou duro mesmo, não quer pode ir embora. Ali é a diretoria, pede a rescisão de contrato. Isso eu sei fazer. Às vezes erradamente, mas era necessário. Às vezes você tem que errar uma vez pra consertar todos os que você tem. Todo mundo quer ir num lugar festivo. Todo mundo quer ficar dentro da concentração do Leão porque ele quer. Então é mais ou menos por aqui. Mas eu acho que a minha vida toda foi bem positiva. Agradeço por tudo que consegui. Conquistei muito mais do que eu esperava. Porque no dia que eu falei pro meu pai, que eu tenho dois irmãos médicos, que eu não ia ser o terceiro médico, tinha que ter peito pra falar isso pra ele. Falei, né cara? Isso é engraçado, ser médico. Aí fui, estudei outras coisas, comecei a jogar e tal. Nem achava que aconteceu o que aconteceu. No fim, eu, meu pai, meus irmãos, minha família, nós ficamos felizes com todos.

Acho que a minha vida toda foi bem positiva. Agradeço por tudo que consegui. Conquistei muito mais do que eu esperava.

— Emerson Leão

Você sofreu um furto na sua casa e perdeu muitos itens, como medalha da Copa de 70, joias e obras de arte? Como foi?

– Uma experiência que eu não desejo que ninguém possa passar. Mas o Brasil é um… a quantidade de ladrão que tem no Brasil, eles trafegam por um mundo diferente porque tem respaldos diferentes do mundo de hoje, principalmente em São Paulo. O que eu quero dizer é o seguinte. Eles não roubaram uma coisa que eu conquistei, eles roubaram tudo o que eu conquistei. Roubaram tudo o que você possa imaginar, desde meu princípio de carreira. Todas as taças ganham pela Fifa, pela CBF, CBD antes, pelos governadores, pelos presidentes, pelos prefeitos, pelos amigos, pelos clubes, tudo. Joias… eu foi um presente por ano par a minha mulher.

– Roubaram tudo o que você possa imaginar. Uma casa que eu construí, que eu morava. Estava fora de São Paulo, eles sabiam da minha rotina, deveriam saber, porque ficaram das cinco à meia-noite e meia dentro. Pegaram dois, eles falaram que não vão falar, venderam as coisas, então… fazem há algum tempo, uns dois anos já que aconteceu isso, e até agora retorno zero. Não tenho nada. Não me pergunta daquela taça que você ganhou, aquela medalha… não tenho nada. Fiquei órfão do meu passado. Graças a Deus, porque tudo isso que nós estamos conversando faz parte do passado, faz parte do presente, e se Deus quiser, vai fazer o meu futuro também por meio dos meus netos.

Fonte: Ge

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