A vida e a rotina de milhares de pessoas — entre trabalhadores, estudantes e moradores, que passam pela Avenida Brasil quase diariamente — foram impactadas, na manhã de ontem, pelo caos que se instaurou, durante ação da PM no Complexo de Israel, na Zona Norte. O confronto entre criminosos e policiais deixou três trabalhadores mortos — todos atingidos na cabeça — e três feridos, interditou por duas horas a principal via expressa da cidade, paralisou o BRT e os trens e fechou escolas e unidades de saúde. No meio do fogo cruzado, motoristas e passageiros viveram momentos de pânico. Em vídeos compartilhados nas redes sociais, é possível ver crianças entre os que tentavam se proteger junto a veículos e muretas de concreto da Brasil. Deitada embaixo de um ônibus, uma mãe chegou a se jogar por cima da filha pequena.
![Tiroteio no Complexo de Israel, na Zona Norte, fechou uma parte da Avenida Brasil nesta quinta-feira](https://s2-oglobo.glbimg.com/pD8AMSRpBhd0bYSuVqi3EcfIgVo=/0x0:5184x3456/888x0/smart/filters:strip_icc()/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_da025474c0c44edd99332dddb09cabe8/internal_photos/bs/2024/m/K/PXVDfFQnqxCNgmOAEarw/01.jpg)
Tiroteio no Complexo de Israel, na Zona Norte, fechou uma parte da Avenida Brasil nesta quinta-feira — Foto: Fabiano Rocha/Agência O Globo
Nas gravações que mostram os momentos de pavor, os sons de choro e os gritos de desespero ecoam entre o barulho de disparos. O vídeo da mãe angustiada é um dos mais chocantes entre os exibidos na internet, que revelam o drama de quem acabou ficando no meio do tiroteio. A menina, muito nervosa, chora. A mãe tenta consolá-la, e segura a sua cabeça: “Em nome de Jesus, se acalma”. “Calma, respira”, continua a mulher.
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Em outro vídeo, uma mãe está por cima da criança, no asfalto, tentando protegê-la. “Traz ela para cá com a criança, passa aqui para o concreto. Dá espaço para ela aí, gente”, pede o homem que está gravando. “Se abaixa moça, pelo amor de Deus, cuidado”, clama o rapaz à mãe, enquanto a mulher tenta andar inclinada. No som do vídeo, é possível ouvir que uma pessoa chora sem parar.
Outro homem ajuda a mulher pegando a menina no colo para que as duas consigam chegar até a mureta de concreto ao lado do ônibus. Na mesma gravação, há outra criança, um menino, também deitado debaixo de um dos coletivos.
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‘Agradecer pela vida’
A operação era para prender criminosos que atuam no roubo de carros e cargas. Cinco estações ferroviárias foram fechadas. De acordo com o Rio Ônibus, mais de 20 linhas foram afetadas pelo fechamento da Avenida Brasil. Em nota, o sindicado das empresas citou “mais um dia em que o direito de ir e vir da população carioca é prejudicado pela falta de segurança pública da cidade”.
O serviço do BRT voltou a ser normalizado, segundo a Mobi-Rio, às 9h15. Sérgio Nascimento, que trabalha na bilheteria da estação Vigário Geral, relata que, no momento do tiroteio, o clima no ponto era de “caos”.
— Foi tenso, todo mundo correndo para lá e para cá, tentando se abrigar, era tiro vindo de tudo quanto era lado. Você não tinha o que fazer, não sabia como se abrigar, como ajudar. Eu estava na cabine e me abaixei, tentei fugir do tiro.
Entre os feridos, Alayde dos Santos Mendes, de 24 anos, teve perfuração na coxa direita, com lesão superficial. Após avaliação médica, recebeu alta hospitalar. Ao GLOBO, a operadora de call center e moradora de Duque de Caxias contou que estava a caminho do trabalho, em Olaria, na Zona Norte, quando foi baleada. Num primeiro momento, revela que não percebeu o ferimento:
— Eu estava tentando fugir da confusão, andando, e ouvi um barulho forte. Estava tão nervosa que só percebi, quando senti a minha perna queimar. Eu botei a mão, vi que era sangue e fiquei desesperada, porque as pessoas estavam gritando que eu tinha levado um tiro. Sou grata a Deus por terem me ajudado e me dado apoio. Agora, só desejo agradecer pela minha vida.
Parado 55 minutos
O produtor Carlos Miranda, de 45 anos, conta que interrompeu a volta para casa e chegou a ter uma crise de ansiedade:
— Estou de folga e tentava ir para casa, em Vigário Geral. Peguei um ônibus, saindo de Campo Grande, sentido Parada de Lucas, e tive que descer no meio do caminho. Antes disso, fiquei parado 55 minutos. Minha família estava muito preocupada, pediu para eu sair de onde estava e voltar, desistir de ir para casa. Fiquei muito impactado com o que aconteceu e tive uma crise de ansiedade. A violência no Rio de Janeiro piora a cada dia.
O confronto afetou quem costuma usar a via para chegar ao trabalho. Valfredo Santos Araújo, 55, é morador da Praça Dois, em Vigário Geral. Ele trabalha como conferente em uma empresa de automóveis e estava no trajeto para o serviço quando tudo aconteceu:
— Fiz o meu dia a dia normal. Sai de casa, peguei uma van e desci na esquina da Brasil. Quando saltei, já me deparei com a avenida toda parada, que é normal, mas comecei a ouvir tiros. Isso me fez voltar na hora para casa, fiquei assustado com a situação, porque estava muito alto. Parecia que era do meu lado. Geralmente tenho que chegar às 8h no trabalho, e só estou chegando agora, 10h20.
Moradora de Guadalupe, na Zona Norte, Victoria Dantas estava a caminho do trabalho e gravou um vídeo dentro do BRT, capturando os momentos de desespero e tensão vividos pelos passageiros. Ela conta que entrou no articulado na estação de Guadalupe:
— A estação estava muito cheia lá em Guadalupe. Eu entrei e tinha um pessoal comentando dentro do ônibus que tava tudo fechado, que tava tendo tiroteio na Cidade Alta.
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Já a estudante de enfermagem da UFRJ Mariana Lopes Andrade, de 24 anos, grávida de sete meses, estava em um ônibus da linha 388 (Cesarão x Candelária) quando o confronto começou. Ela teve que descer e atravessar a pista até chegar em um ponto de ônibus na Fazenda Botafogo para pedir um carro de aplicativo.
— Estava a caminho da faculdade quando tudo parou. Não sabia o que era. Só descobri depois o motivo.
Fonte: O Globo