Quase metade dos pagamentos feitos pelo Governo do Rio ao laboratório PCS Lab Saleme, investigado por erros em exames de HIV, decorreu de contratações feitas sem licitação. Desde 2022, a empresa recebeu R$ 21,2 milhões dos cofres do estado. Desse total, R$ 3,7 milhões (ou 17%) foram pagos por meio de termos de ajuste de contas (TACs) — ou seja, os pagamentos eram feitos após a execução do serviço, mediante apresentação de nota fiscal, sem que a empresa sequer tivesse contrato com o governo. Já outros R$ 6,2 milhões foram recebidos em contratos considerados “emergenciais”, fechados em processos com dispensa de licitação.
Os primeiros pagamentos feitos pelo governo à empresa remontam ao final de 2022. Na ocasião, a gestão de várias Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) passou de Organizações Sociais (OS) para a Fundação Saúde, órgão vinculado à Secretaria estadual de Saúde, num processo iniciado em 2020. Sob a justificativa de que o serviço de exames clínicos nas unidades precisava continuar sendo prestado mesmo sem um contrato em vigor, o governo optou por realizar pagamentos ao laboratório por meio de TACs. Os serviços começaram a ser prestados em agosto de 2022 e, só naquele ano, mais de R$ 1 milhão foi pago pela empresa dessa maneira. Os serviços começaram a ser prestados em agosto.
Só em fevereiro de 2023, o PCS Lab Saleme passou a ter um vínculo formal com o governo para atender as UPAs. No entanto, a contratação da empresa não foi realizada a partir de uma concorrência pública: o contrato, para realizar exames em quatro UPAs na Zona Oeste do Rio no valor de R$ 2,1 milhões, foi assinado com dispensa de licitação pela Fundação Saúde.
Na época, o secretário de Saúde era Luiz Antônio de Souza Teixeira Júnior, o Doutor Luizinho (Progressistas), que é parente dos sócios do laboratório. Um deles, Walter Vieira, preso nesta segunda-feira, é casado com sua tia. Já o outro sócio, Matheus Sales Teixeira Bandoli Vieira, que assina os contratos da empresa com o governo, é filho de Walter.
Doutor Luizinho permaneceu na secretaria de janeiro a setembro de 2023 e, ao deixar o cargo, indicou sua sucessora, Cláudia Mello, e seguiu tendo influência na pasta. Sua irmã, a dentista Débora Lúcia Teixeira Medina de Figueiredo, ocupa até hoje um cargo de direção na Fundação Saúde.
Em outubro, o PCS Lab Saleme fechou um novo contrato com a pasta, novamente com dispensa de licitação. Por R$ 3,8 milhões, a empresa passou a ser responsável pelos exames clínicos do Hospital estadual Ricardo Cruz, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense — reduto político de Doutor Luizinho e mesma cidade onde fica a sede da empresa. Novamente, a justificativa para o procedimento emergencial foi o “risco a saúde e a segurança da coletividade” que a interrupção da prestação de serviço acarretaria, já que o hospital também havia sido incorporado à Fundação Saúde no mesmo mês. O processo de contratação da empresa começou ainda na gestão de Luizinho.
Somente em dezembro de 2023, mais de um ano depois de começar a receber pagamentos do governo, o PCS Lab Saleme foi contratado a partir de um processo licitatório. Na ocasião, o laboratório apresentou a melhor proposta para prestar o serviço de realização de exames clínicos em 11 unidades de saúde do estado. Esse contrato, que engloba o HemoRio e a Central de Transplantes, foi o que culminou na realização dos exames que não detectaram HIV nos órgãos transplantados.
Inicialmente, o contrato tinha o valor de R$ 9.801.008,74, mas teve o total aumentado, em março deste ano, em R$ 1.679.459,04. Isso para incluir o atendimento a mais duas unidades, os postos de atendimento médico (PAM) de Cavalcanti e de Coelho Neto, ambos na Zona Norte da capital. Ao todo, os três contratos do PCS Lab Saleme com a Fundação Saúde preveem a prestação do serviço num total de 18 unidades, entre hospitais, PAMs, institutos e centros especializados.
Durante o último processo de licitação, no entanto, o PCS Lab Saleme teve sua capacidade técnica para produzir exames questionada. Segundo o recurso interposto por uma concorrente, o laboratório não conseguiu comprovar que tinha experiência prévia para executar metade dos exames previstos por contrato. O documento que faz parte do processo de concorrência aponta que o PCS Lab Saleme só conseguiu comprovar a execução de 581 mil exames por ano — e o edital previa pelo menos 628 mil.
O laboratório alegou, em ofício que também faz parte da licitação, que “realiza o objeto do certame há mais de dez anos, já tendo realizado, só em favor da Secretaria municipal de Nova Iguaçu, mais de 2 milhões de exames clínicos e anatomia patológica”. O laboratório tem contratos com a Prefeitura de Nova Iguaçu desde 2016. A Fundação Saúde entendeu que “a empresa vencedora atendeu as exigências do edital” e homologou o resultado.
Laços familiares
Matheus Vieira, um dos sócios do PCS Lab Saleme, também é sócio de outra empresa do ramo da saúde, a Quântica Serviços de Radiologia. A firma foi contratada por mais de R$ 8 milhões pela OS Instituto de Psicologia Clínica Educacional e Profissional (IPCEP), que administrava o Hospital estadual Getúlio Vargas e a UPA da Penha, ambos na Zona Norte do Rio, para realizar serviços de exames de raio-X, tomografia computadorizada e ultrassonografia nas duas unidades. Segundo o RJTV, da TV Globo, quem assina o contrato, representando a OS, é Daniel Cardoso de Sá, genro do ex-presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha.
Sá, que é casado com a deputada federal Dani Cunha (União Brasil), deixou a OS em julho passado. o IPCEP já recebeu quase meio bilhão de reais dos cofres do estado.
Fonte: O Globo




