Médico cardiologista, formado pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), e Doutor em Cardiologia pela Universidade de São Paulo (USP), Fábio Vilas-Boas, foi colhido no cargo de secretário da Saúde da Bahia (Sesab) pela responsabilidade de assumir a linha de frente no Estado contra a pandemia da Covid-19.
Um ano após a doença ter chegado na Bahia – a Sesab confirmou o primeiro caso importado do novo coronavírus no dia 6 de março de 2020 -, o titular da pasta, em entrevista exclusiva a este Política Livre, prevê que a vacinação neste primeiro semestre será um “divisor de águas” para derrotar o vírus.
Vilas-Boas também contou um pouco sobre a dolorosa e desafiante experiência de ter contraído a Covid-19 nos últimos dias. O secretário chegou a ficar internado mais de uma semana no Hospital Aliança, em Salvador, e hoje retoma a rotina na secretaria aos poucos, paralelamente a exercícios para completar sua reabilitação.
“Nesse período aprendi a absorver o sofrimento dos meus pacientes e dividir com eles a sua dor, aquilo que se chama de compaixão. Mas essa doença, a Covid-19, é duplamente traiçoeira: além de sugar nossas energias vitais, atenta contra a nossa fé na capacidade de sobreviver”, analisa.
Para ele, a maior angústia neste período foi psicológica. “Lutar contra a minha natureza inquieta e ter que me dar um tempo para me recuperar. Por mais que me sentisse com vontade de ir para campo, o corpo não permitia, a febre demolia minhas reservas físicas e a fraqueza era implacável”, explicou.
Confira a entrevista na íntegra:
Política Livre – Um ano de Covid-19 na Bahia. Alguma luz no fim do túnel para que não passemos 2021 na mesma situação?
Fábio Vilas-Boas: Felizmente, na última semana, finalmente, o Ministério da Saúde tomou a decisão de adquirir todas as vacinas disponíveis no mercado internacional. Era inaceitável a posição mantida até então, refém de receios infindáveis, enquanto a população seguia sem imunização.
Ao longo desse um ano, na prática, alguma medida restritiva adotada pelo Governo do Estado não surtiu tanto efeito como deveria?
Cada uma das medidas trouxe a resposta desejada. Posso afirmar que a Bahia demonstrou ao país uma capacidade de união, entre todas as esferas, governamentais e dentro da sociedade civil, muito superior a outros Estados e até mesmo países. Ao completarmos um ano de pandemia, lembramos dos momentos iniciais, quando aprovamos uma lei estadual para uso de álcool em gel, depois passamos a preconizar o distanciamento social e, por fim, o uso progressivo de máscaras de tecido.

Esse ano o país começou o processo de vacinação, porém ainda em um ritmo lento. O senhor acredita que teremos a população brasileira 100% – ou pelo menos 70% – vacinada até o final do ano?
É uma questão matemática, não de fé. Com os acordos comerciais anunciados agora em março, a previsão é que todos os grupos prioritários sejam vacinados dentro de mais seis meses, incluindo aí todo o atraso. Isso dará 30% da população apenas. Os demais 70% deverão levar mais 12 meses para vacinação em duas doses, o que nos joga para o segundo semestre de 2022. Evidente que é preciso considerar que não haverá necessidade de revacinar, suplementar dose ou trocar de vacina, devido ao surgimento de mutações.
O senhor se recupera da Covid-19. Como tem sido essa experiência?
Tenho 30 anos trabalhando como médico. Nesse período aprendi a absorver o sofrimento dos meus pacientes e dividir com eles a sua dor, aquilo que se chama de compaixão. Mas essa doença, a Covid-19, é duplamente traiçoeira: além de sugar nossas energias vitais, atenta contra a nossa fé na capacidade de sobreviver. A qualquer momento o nosso destino pode dar uma guinada, já que não há tratamento específico e as respostas individuais são imprevisíveis.
De quais medicamentos fez uso durante a sua recuperação, secretário?
Devo dizer que não fiz uso de medicamentos sem comprovação de eficácia científica. Também não fiz uso de terapias alternativas. Meu tratamento foi à base de bloqueadores inflamatórios, anticoagulante, antitérmico, oxigênio, alimentação e fisioterapia intensa. Devo muito aos médicos que me cuidaram, Dr. Sérgio Jezler, pneumologista, e Dr. Badaró, infectologista, além das equipes de fisioterapia e enfermagem do Hospital Aliança.
O senhor esteve na linha de frente do combate ao novo coronavírus na Bahia durante 11 meses sem contraí-la. Imagina como se contaminou?
Não mudei em nada as medidas de prevenção. E ainda assim fui contaminado. Assim como milhares de pessoas estão sendo contaminadas nas últimas semanas. Para mim está claro que houve uma mutação no vírus. Mandei fazer a genotipagem do meu Sars-Cov-2 e descobri que é da variante B.1.1.28, uma das originadas em Manaus, mas que já vinha circulando por aqui desde 2020.
O senhor ficou uma semana internado e chegou a perder cinco quilos. Em algum momento teve medo de ser intubado?
O medo do tubo era permanente. Quando a saturação de oxigênio caia de 90% eu fazia de tudo para melhorar a respiração: mudava de posição, respirava mais fundo, fazia exercícios com máscaras de pressão positiva expiratória, deitava de barriga para baixo e também rezava muito.

Quem protesta contra as medidas restritivas alega que os governos não podiam ter fechado os leitos de UTI criados na primeira onda. Por que os leitos não foram mantidos?
Não era possível manter unidades abertas com 25% de ocupação. Era dinheiro público sendo gasto. É preciso responsabilidade e equilíbrio.
O fato de ter sido tirado de combate em pleno auge de casos da segunda onda o angustia?
Minha maior angústia foi psicológica. Lutar contra a minha natureza inquieta e ter que me dar um tempo para me recuperar. Por mais que me sentisse com vontade de ir para campo, o corpo não permitia, a febre demolia minhas reservas físicas e a fraqueza era implacável.
O senhor acredita que venceremos a pandemia ainda este ano?
Creio que a vacinação ampla que se anuncia já agora neste primeiro semestre será um divisor de águas. O desafio é chegar até essa imunidade ampla com o menor número de vidas perdidas.
As informações são de Mateus Soares|Política Livre




